Engana-se quem pensa o ódio como sendo o oposto ao Amor. Não há contrário parelho ao Amor.
O ódio, por exemplo, advém da ignorância, é uma consequência de algo, não um princípio ordenador, único e independente como o Amor – que em seus desdobramentos até ganha nuances e contornos dependentes, multifacetas e, por vezes, leva à confusão (se refém de um mesmo estágio, estagnado, pois é vital ao Amor sua fluidez).
Poder-se-ia afirmar se tratar a ignorância do contrário do Amor, mas não que seja parelho, porquanto este tem em si não apenas o conhecimento, mas também o desconhecimento e a imperativa vontade de fazer do caótico desconhecido um cosmológico conhecido e, nesta jornada conceber a harmonia e o belo através da ordem que se impõe ao se trazer algo do campo do desconhecido à luz do conhecimento.
Já a ignorância não contém em si nada além do desconhecimento e da barreira concebida pelo ato de ignorar (nota: barreira que também pode ser concebida pelo uso errado do conhecimento) – conhece e concebe apenas algo veladamente: a de que ignora – reside nesta centelha única de entendimento claro a chance de se desdobrar em busca de seu esclarecimento: fio único de Amor ao qual os filósofos se prendem para ascender cada vez mais na senda da sabedoria, afastando-se cada vez mais da escuridão da ignorância, identificando-se cada vez menos com a unidade e forjando-se cada vez mais uno com o Todo.
Todavia não é a ignorância o contrário do Amor não apenas por tudo retrocitado, mas por não poder contar com a existência aplicada da vontade de poder do indivíduo de, primeiro, reconhecer seu estado ignorante e, consequentemente, empenhar-se no exercício da clareza e aquisição de conhecimento, princípios sumos da vivificação da sabedoria – realização do Amor, união não-dual, primordial e eterna, entre amante e amado que já não são mais um, nem dois e no três - Amante-Amado e Amor exercido - se confirmam e à sustentabilidade da unidade.
Consequentemente, afirmamos que se há oposto ao Amor este deve ser composto: parte da falta de vontade de poder de esclarecimento que confirma e mantém a ignorância que, em ciclo dual, reforça a falta de vontade de poder ou a faz perder seu foco, conduzindo-a à indolência, uma das máscaras do egoísmo, que atua com extratos de agressividade, incompatibilidade e faltas diversas, como de harmonia, de comprometimento e de resultados sustentáveis – pois deixa-se de dar importância à interação com o Todo e pensa-se ser possível atuar-se por si e por conta própria, ignorando-se a grande rede da qual se faz parte e a lei da causa e efeito.
Como veremos na citação a seguir, podemos concluir que o egoismo é o desvio do conhecimento, sua perda de foco, em suma, falta de Amor, pois apesar de focar na unidade, se apequena na unidade que conhece, sem expandir seu conhecimento para contemplar a grandeza da unidade do qual fazemos primordialmente parte.
O Amor é esta revelação, é a retirada dos véus da ignorância na ascese de nosso conhecimento ordenado ao crescimento sustentável que busca nosso religare com nossa sabedoria primordial e intrínseca.
Esta busca pode ser tanto realizada de maneira instantânea – ao se contemplar a natureza una –, quanto conquistada ao se compreender e dar coerência às manifestações multifacetadas da mesma natureza una, em específico ao se alinhar, harmonizar e dar coerência aos três níveis básicos de existência (Eros, ágape, philia; mineral, vegetal, animal; passado, presente, futuro; próton, elétron, neutron; etc) – a permanência da natureza é a impermanência.
Compreender a razão de Ser do Amor é compreender a complementaridade dos opostos e forjar uma nova ordem para o progresso em harmonia.
O Amor é “algo absolutamente unitário, que não pode se compor a partir de elementos preexistentes”, como diria Georg Simmel em seus Fragmentos sobre o Amor, onde continua: “O Amor é uma categoria primordial, não tendo nenhum outro fundamento além de si mesmo... determina seu objeto na totalidade de seu ser último, o nada como tal na ausência de toda existência prévia”.
A partir desta leitura pode-se correlacionar o mito grego de Eros dando ordem e harmonia ao caos fazendo de um elemento sem compreensão e que nada representa – a não ser ausências e compreensão e efeitos desta, como medo, insegurança, incerteza, incompreensão –, pois é vazio em si contendo um sem fim de possibilidades, algo próximo e belo através de uma interpretação possível, sendo a mais próxima a própria, donde se conclui que o Amor é um ato de conhecimento em si e aplicado – e se de outra forma fosse, não o seria, pois “saber e não fazer ainda não é saber”, como diria Lao Tsé: há de se aplicar o Amor (o conhecimento) para que seja de fato Amor (sabedoria).
Por fim, vale reforçar que o Amor, de natureza una, tem princípio trino: é ao mesmo tempo impulso (Eros), ordenação (Ágape) e compartilhamento (philia); aplicados ao mesmo espaço, geram os ciclos de desenvolvimento (Amor fati); na alternância entre o uno e a tríade passa-se pela dualidade, caos da oposição insensata dos fatores aparentemente antagônicos, mas complementares.
Reside na ignorância da complementaridade o atraso e a estagnação, pois não potência positiva (impulso) sem controle (ordenação), tanto quanto não há nascimento sem morte, masculino sem feminino, luz sem sombra.
Sobre este último, vale ressaltar que é a sombra que evidencia para a Luz onde há obstáculos para a sua plenitude, pois, caso não os houvesse, não haveria algo a partir do qual se projetaria a sombra – no caso do humano, é o ego o obstáculo que a sombra desmascara e ponto a ser transmutado para a expansão do nosso Ser.
E o Amor, energia primordial, é a hábil condutora da força da sombra aliada à clara ordenação da Luz para forjar a unidade em constante expansão cíclica.
No caos que não limita e no verbo que cria liga, faz sentido e não diferencia, sustenta,
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