Era a semana do retiro de Nyung-ne, uma prática de jejum e meditação tibetana na força compassiva do Buda da Compaixão, Cherenzig, também conhecido como Avalokiteśvara.
Durante o retiro, aprende-se na prática a contemplar o sofrimento dos 5 reinos não-humanos a partir dos 5 venenos existentes também em nossa mente – e que nos tornam igualmente sofredores dos mesmos males, basta olharmos para nós mesmos e também para nossa sociedade: o desejo e a ganância dos fantasmas famintos, a inveja dos semi-deuses, a raiva dos seres infernais, a ignorância dos animais e a arrogância dos deuses.
Tudo isto para trabalhar estes 5 venenos tão concomitantemente presentes em nós e nossa sociedade. Quem é que não vê em nossa sociedade inumeros humanos-deuses, humanos-semi-deuses, humanos-famintos, humanos-infernais e humanos-animais.
Pois uma coisa é a prática formal, outra é ver como a aplicação prática no cotidiano rende frutos e efeitos.
E foi isto que meu doce gato me propiciou.
Durante a semana do evento – que ocorrera no final de semana – ele começou a fazer xixi no puf da sala, algo que ele nunca havia feito nestes dois meses de convívio. No primeiro dia, briguei com ele, falando um pouco mais duro. No segundo, dei um esporro, bravejando. No terceiro, esfreguei seu nariz e dei um tapinha. No quarto peguei ele no flagra e, com intuito de aproveitar o momento para dar-lhe uma lição, bati nele, além de fazê-lo cheirar o xixi e ouvir um sermão bravo acompanhado de mais umas palmadas. Temos o estranho hábito de achar que violência resolve algo.
Veio o retiro e, na volta, novamente xixi no puf. Quando fui aplicar a repreensão física ele me olhou com olhar doce, sem aparentemente entender o porque de minha violência e seu olhar amoroso me fez retomar os ensinamentos de amor e compaixão, em especial, neste caso, pela ignorância dos animais - quantas vezes não deixamos de ver em nossos pares tal ignorância e quantas vezes não somos mais ignorantes que os animais. Resolvi conversar com ele.
Coloquei-o gentilmente para cheirar o xixi, mostrei a caixinha de areia, voltei ao puf, limpei e o fiz cheirar o pano. Sentei ao lado dele e fazendo carinho em seu focinho, abri meu coração olhando em seus olhos, deixando que a clareza da comunicação não-verbal fizesse o resto, pontuada com uma ou outra tenra palavra.
Canalizei a vontade pelo coração e fiz-me entendido.
Desde então ele não fez mais xixi no puf. Minto. Fez mais duas vezes. A primeira um ou dois dias depois, o que para mim não foi uma falta dele, mas uma prova para mim, para ver se eu havia aprendido a lição da compaixão e colocado minha energia agressiva – mesmo aquela que consideramos ‘positiva’ – sob controle; a segunda ontem, quando sua veterinária, minha querida e competente prima Carol Rabello, veio aqui em casa para aplicar-lhe vacinas.
É através do olhar firme, mas amoroso que iremos mudar os padrões pessoais e coletivos. E nisto, meu Petit Gateau transborda.
No pêlo do Amor e ronronar da compaixão,
3 comentários:
Olá, achei seu blog através de outros que andei fuçando, achei tudo muito interessante e essa sobre felinos,mais ainda, tb amo gatos e não sei se vc já leu, mas esses dias achei um texto chamado Ode ao gato tb muito interessante.E claro, belos textos sobre o amor, parabéns.
Obrigado Marisa, seja bem-vinda. Aceito sugestões sempre. De links, autores, textos, pauta... ;)
tashi delek - saudações auspiciosas em tibetano
Klaus
Amor em minúscula!
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